A arte da crónica: intimidade com a cidade
por João Silva · 1 Out 2024 · 4 min
Escrever crónicas é caminhar devagar pela cidade. A pressa dos outros torna-se pano de fundo; nós paramos, reparamos e traduzimos. A crónica acolhe o detalhe e confia no leitor para o completar.
Começo quase sempre por uma imagem: uma mulher que fala sozinha no elétrico; um miúdo que carrega um livro maior do que ele; o reflexo do Tejo num vidro de padaria. A partir daí, a música do texto aparece.
Observação, empatia, ritmo
Observar é menos olhar, mais escutar. A empatia evita caricaturas e a atenção ao ritmo impede que o texto adormeça. Uma boa crónica respira como quem caminha: há pausas, acelerações, atalhos.
O quotidiano como arquivo
Não há falta de assunto quando se confia no mundo. Um mercado ao sábado, um jogo de bairro, um anúncio colado torto — tudo é ponto de partida. O que importa é a transformação dessa matéria em linguagem.
Crónica não é só registo: é interpretação com afeto.
No fim, volto ao começo e aparo o excesso. Troco palavras pesadas, corto as repetições, deixo espaço para o silêncio. E entrego, sempre, uma cidade um pouco mais íntima ao leitor.